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Set 2021

Como aplicar o método clássico no ensino da língua - parte 2

O Poder da Linguagem | 10 min.

06/09/2021

Dando prosseguimento ao texto anterior, vamos começar a falar mais propriamente dos 4 passos necessários para ensinar a língua pelo método clássico.

 

Primeiramente, é preciso dividir esses 4 passos em duas etapas: a pré-aula e a aula propriamente dita. Feito isso, temos que os dois passos a serem percorridos antes de se iniciar a atividade são:

1. A escolha do texto;

2. A preparação do texto.

Neste artigo, falaremos apenas do passo da ESCOLHA DO TEXTO.

 

A forma

A língua deve ser transmitida ao aluno por meio das grandes obras literárias. Esse é o mote do chamado método clássico. E o motivo é muito simples.

As línguas não nascem prontas. A estrutura lógica, as formas consolidadas de expressão, o vocabulário, tudo isso vai se explicitando a partir de uma forma original muito sintética.

Quer dizer, as línguas vão ganhando uma forma mais clara só muito lentamente, em movimentos tectônicos, com base nos usos que se faz delas ao longo dos séculos.  

Acontece que dentre os usuários de uma determinada língua sempre há aqueles mais profundos, mais sensíveis, mais criativos. E esses sujeitos, geralmente os grandes escritores, utilizam a língua com tanta maestria, com tanta precisão e graça, que acabam se tornando norma e modelo aos demais usuários. As palavras que escolhem, as maneiras de combiná-las, o emprego novo que dão a vocábulos velhos, tudo isso vai se incorporando ao patrimônio daquele idioma e passa a ser transmitido, pelos gramáticos, dicionaristas e professores, às gerações seguintes.

Ora, se é assim, nada melhor do que aprender uma língua já tomando como base esses modelos excelentes. Fazendo assim, a criança vai desde cedo afinando não só sua inteligência, mas também — o que é muito importante — seu senso estético, sua sensibilidade ao que é mais belo e adequado no manejo com as palavras.

No fim das contas, o aluno se torna capaz de ler e compreender qualquer texto, captando até as suas nuances mais sutis, e adquire meios cada vez mais sofisticados de expressão.

 

O conteúdo

Esse é o ponto de saída: devemos ensinar a linguagem a partir dos escritos de nossos mestres; o que significa dizer que o texto deve ter, necessariamente, qualidade formal.

No entanto, é preciso olhar também para o conteúdo.

Para que uma criança se anime a ler nossos principais poetas e prosadores, é preciso que os escritos lhe chamem a atenção, que as histórias lhe sejam fascinantes.

O pai deve, portanto, descobrir que tipo narrativa é mais cativante ao seu filho. Porque toda criança gosta de ouvir uma boa história, mas algumas preferem as de aventuras, outras as de romances, outras as de guerra, outras as de mistérios, e assim por diante.

Por volta dos 8, 10 anos, a criança já tem essas inclinações mais ou menos pronunciadas, basta ao pai averiguá-las, sondá-las e identificá-las. 

Depois disso, é hora de dobrar a manga da camiseta e iniciar as pesquisas. Será preciso encontrar no conjunto de grandes obras literárias da língua aquelas que serão mais do agrado do seu filho — ao mesmo tempo que lhe servirá como material de estudo.

E há muitos modos de se fazer esse garimpo: há antologias tradicionais, há boas bibliotecas, há enciclopédias, há sites de confiança. Hoje há uma abundância de fontes. A internet dá uma infinidade de coisas gratuitas, com meia dúzia de cliques.

Entendendo esses dois pontos: a necessidade de se escolher um texto de grande qualidade na forma e no conteúdo, seguindo os critérios que expusemos, o resto do caminho se atravessa com muito mais facilidade.

 

Nossas escolhas: fábulas, mitos, contos, poemas luso-brasileiros, apólogos e épicos

Nos nossos cursos temos alunos de 8 a 17 anos. Normalmente os separamos em turmas de 8 a 12 e de 13 a 17, pois nessas faixas etárias eles costumam a ter. além de capacidades semelhantes, uma série de interesses comuns.

Em regra, iniciamos os cursos lendo fábulas aos menores e narrativas mitológicas aos maiores.

As fábulas que escolhemos são, no mais das vezes, traduções ou adaptações, em versos, feitas por poetas portugueses, como Manuel Maria du Bocage e Curvo Semedo, das historietas do francês Jean de La Fontaine — muitas delas também adaptações de textos mais antigos de Esopo e Fedro.

Quanto aos mitos, confessamos certa dificuldade em encontrar, por exemplo, o conjunto de narrativas dos principais heróis, Héracles, Perseu, Teseu, Jasão etc., escrito em forma adequada para as nossas finalidades de ensino. 

Temos muitas adaptações contemporâneas da mitologia grega, mas, geralmente, são histórias muito estendidas, fugindo à concisão tradicional que se vê em Higino e Pseudo-Apolodoro, com enredos não raro distorcidos, por motivações ideológicas do autor, com linguagem modernizada.

Veja-se as obras de Menelaos Stephanides e Nathaniel Hawthorne.

Aliás, no que tange à modernização da linguagem e distorção do enredo, o próprio autor de A Letra Escarlate admitiu sua intenção:

Nathaniel Hawthorne comentou com um amigo do meio editorial, Evert Augustus Duyckinck – biógrafo e editor de, nada mais nada menos, Edgar Allan Poe –, seu desejo de ver algumas histórias resgatadas “do luar frio da mitologia clássica e modernizadas, ou talvez tornadas góticas, de modo a que possam tocar a sensibilidade das crianças de hoje”. Disse ainda: “Adotando um tom em alguma medida gótico, ou romântico, ou qualquer outro tom que me agrade, em vez da frieza clássica, tão repelente quanto o toque do mármore … e, claro, purgarei dos textos a velha perversidade pagã, colocando algum valor moral quando for possível.”

Não se discute aqui a justiça do pensamento de Hawthorne e muito menos a qualidade dos seus escritos. Trata-se, nada mais nada menos, de um autor clássico da literatura norte-americana, da mesma prateleira de um Allan Poe. O fato é que, para as nossas finalidades pedagógicas, o seu texto não se enquadra.

Diante disso, dessa carência de narrativas mitológicas com sabor clássico, nos encorajamos a escrever nossas próprias versões, formatadas para nossas turmas, para atender as demandas de nossas salas de aula. E o aproveitamento intelectual dos alunos, até aqui, tem sido muito bom. 

Mas além das fábulas e mitos trabalhamos alguns contos medievais, como os Contos da Cantuária de Geoffrey Chaucer; apólogos, como os tirados da Nova Floresta do Pe. Manuel Bernardes, um dos maiores prosadores da língua portuguesa; contos como os de Alexandre Herculano; poemas como os de Gonçalves Dias, Gregório de Matos, Olavo Bilac etc.

Por fim, quando os alunos mais velhos já estão bem equipados, introduzimos os épicos homéricos, principalmente a Odisseia, na tradução de Carlos Alberto Nunes, e Os Lusíadas, de Camões, o maior poema de nossa língua, meta de todo aluno de linguagem.

Vale dizer que, no caso de obras mais extensas, muitas vezes não trabalhamos os textos em sua totalidade, pela conveniência pedagógica. Nesses casos, o que fazemos, na prática, é selecionar uma série de trechos interessantes, na forma e no conteúdo, e explicar, oralmente, as partes ignoradas — e isso quando necessário.

 

Uma distinção

Por fim, cabe uma importante observação.

Estamos tratando aqui da escolha de textos com finalidades pedagógicas bem estabelecidas. Não falamos de leituras para entretenimento ou para outros aspectos da formação.
Parte 3


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