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Set 2021

Como aplicar o método clássico no ensino da língua - parte 3

O Poder da Linguagem | 10 min.

10/09/2021

Dando sequência à nossa série (início), trataremos agora do segundo passo para a aplicação do método clássico de ensino da língua: a preparação do texto.

 

Objetivos da preparação

 

Em posse do texto, matéria prima da aula, caberá ao pai estudá-lo, certificando-se de que o compreendeu em seus detalhes — para ser capaz de explicá-lo e de antecipar dúvidas que o aluno venha a ter durante a leitura comentada.

Então, primeiro é necessária uma leitura mais atenta, pormenorizada do texto, considerando os elementos formais da língua e as referências culturais que ele contém.

Vale, no caso, tomar papel e lápis na mão e anotar o significado de termos desconhecidos, reordenar orações mais complicadas, elencar e pesquisar as referências históricas, geográficas mitológicas, e assim por diante.

Em certa medida, o pai ou professor deve dominar o texto. Deve tê-lo explicado para si mesmo, sem dificuldades, de modo que esteja preparado para explicá-lo também à criança.

E esse domínio do texto é importante pois os alunos costumam demandar mais de uma resposta, por ângulos diferentes, a uma mesma questão. Se o texto estiver bem trabalhado, bem estudado, teremos recursos variados para tirar as dúvidas que certamente vão aparecer.

Por isso, essa preparação serve também para antever algumas das dúvidas que surgirão no curso da leitura — no vocabulário, na sintaxe, numa figura de linguagem, numa referência — e preparar boas respostas, encaixando-as dentro do seu planejamento de ensino.

Por exemplo, determinado texto pode oferecer um certo desafio na compreensão dos verbos. Percebendo isso, o pai ou o professor pode elaborar uma exposição sobre esse tema — considerando, claro, que seja o momento oportuno para isso, a depender dos conhecimentos atuais da criança.

Esse mesmo texto pode, também, dar ensejo para que se aborde determinado assunto de história, de geografia, de artes, de mitologia etc. Para que se aproveite a oportunidade da melhor maneira possível, é interessante preparar a apresentação desses temas, inclusive utilizando, quando for o caso, elementos audiovisuais, como imagens, mapas , vídeos e assim por diante.

Em suma, neste passo o pai deve se preparar para a aula:

1. se aprofundando no texto escolhido;

2. organizando os assuntos a serem tratados;

3. separando os materiais que servirão de apoio.

 

Fontes para a preparação

Mas, onde um pai, que não está tão confiante na própria formação, pode buscar as fontes para concluir esse passo?

Cada texto oferece desafios diferentes, de modo que não há uma solução definitiva para todos os casos. No entanto, algumas dificuldades comuns são:

 

1) No vocabulário:

Para resolver dificuldades dessa ordem, basta consultar bons dicionários, como o Aulete ou o Priberam.

No processo, é interessante ainda formar um dicionário particular, com anotações sistemáticas de palavras recém-aprendidas, com seus significados.

Mas, atenção: não raro as palavras ganham, no contexto em que estão inseridas, significados que transcendem aqueles registrados nos dicionários. É sempre preciso ler com atenção e perceber se o termo pesquisado não compõe, por exemplo, um uso figurado da linguagem.

 

2) Na forma e valor da palavra:

Além de compreender os sentidos virtuais que um vocábulo pode tomar, através do dicionário, é muito importante conhecer minimamente a classificação das palavras.

Essas classificações nos permitem captar o sentido e valor das palavras de maneira mais aprofundada que na mera consulta a um dicionário.

As palavras podem ser divididas pelas ordens da realidade que indicam (um verbo: uma ação; um adjetivo: uma qualidade ou característica etc.); pelas formas que podem ou não tomar para indicar realidades diferentes (por exemplo, as variações de tempo e pessoa de um verbo ou as variações de gênero e número de um substantivo); pelos papéis e funções que podem assumir numa frase.

Além disso, podemos considerar as palavras em suas partes significantes, no valor que cada parte da palavra pode ter para indicar algo do seu sentido.

Essa ordem de estudos ainda permite a pesquisa etimológica, para que conheçamos a origem e os significados atribuídos a determinada palavra ao longo dos tempos. Trata-se de ferramenta importante para um uso mais avançado da linguagem.

 

3) Na Sintaxe:

Pode ser que no texto escolhido uma frase esteja elaborada de maneira incomum, a ponto de dificultar a compreensão pelo truncamento das relações entre sujeito, verbo, complementos e assim por diante.

Numa aula recente, lendo O Conto do Cavaleiro de Geoffrey Chaucer, na tradução de José Francisco Botelho, nos deparamos com a seguinte oração:

A bela Emília avistaram os primos à janela.

 

Os alunos, num primeiro momento, entenderam que A bela Emília era o sujeito, ou seja, que ela

 

avistaram os primos à janela.

 

Aqui nem foi preciso apelar tão fortemente à sintaxe. Bastou mostrar que, estando o verbo no plural (avistaram; terceira pessoa), o agente não poderia estar no singular. Portanto, não poderia ser Emília quem avistou, mas os primos que a avistaram.

 

De todo modo, o raciocínio que eles tiveram que fazer, conduzidos pelo professor, foi de ordem sintática:

 

— Quem avistaram?

 

 No que responderam: a bela Emília, notaram a impossibilidade.

 

— Então, quem avistaram?

 

— Os primos — responderam.

 

— E os primos avistaram quem ou o quê?

 

— A bela Emília.

 

— E a avistaram onde?

 

— À janela.

 

Pronto: Os primos avistaram a bela Emília à janela.

 

Para obter recursos que ajudarão a explicar trechos assim, usando esse método, o ideal é fazer consultas periódicas a boas gramáticas, como a dos professores Celso Cunha e Lindley Cintra, e a bons livros de sintaxe, como as Lições de Português pela Análise Sintática de Evanildo Bechara.

 

Ir aos poucos dominando a estrutura da língua é fundamental para proceder bem os ensinos com base no método clássico.

 

 

4) Referências culturais:

 

Ainda, a dificuldade pode estar numa citação, na menção a personagem que não faz parte daquela história, ou a outros lugares, a outras épocas.

 

Se for esse o problema, a solução, às vezes, se encontra no próprio texto, quando ele é suplementado por boas notas de rodapé. Aliás, em se tratando de obras clássicas, vale a pena procurar por edições, se não comentadas — como Os Lusíadas, de Augusto Epifânio ou Francisco Lencastre —, pelo menos bem anotadas, como A Ilíada e a Odisseia, em tradução de Carlos Alberto Nunes, elaboradas pela Editora 34.

 

Porém, caso o texto não ofereça esses subsídios, é preciso proceder as pesquisas por conta própria; e, vantagem contemporânea, as fontes nos são muito mais acessíveis que em qualquer outro momento da história.

 

Temos, na internet, material de qualidade sobre praticamente todos os assuntos. Conseguimos achar uma infinidade de livros gratuitos, em domínio público; temos ótimas enciclopédias online, como a Britannica; bancos de imagens maravilhosamente bem servidos; acesso facilitado a documentários e filmes etc.

 

Exemplo:

 

Também trabalhando Os Contos da Cantuária, temos que Chaucer, no Prólogo-Geral, descrevendo a marcha dos peregrinos ingleses à cidade que dá nome à obra, diz que ali

 

jaz a sagrada sepultura // do mártir que lhes deu auxílio e cura.

 

Ora, quem seria esse mártir sepultado na Cantuária?

 

Uma rápida pesquisa na internet dá a resposta: trata-se de São Tomás Beckett, o piedoso arcebispo primaz que foi perseguido pelo rei, outrora seu amigo, e que acabou assassinado por um grupo de nobres, diante do altar.

 

De uma só vez, tiramos uma dúvida nossa quanto ao texto e descobrimos um assunto histórico a tratar durante os estudos.

 

 

Observação

 

Note-se, porém, que nem sempre, nesse passo da preparação, será preciso pesquisar assuntos de todas essas ordens. Tudo isso pode ser feito sob demanda, na medida das necessidades reais.

 

Claro, outrossim, que é possível levar adiante estudos paralelos acerca de todos esses assuntos. É possível e bom. Mas não é necessário, não é condição indispensável. O importante é estar preparado para a aula em questão, para o texto em questão. O mais se acrescenta com o tempo.

 

Por fim, há outros temas, de ordens mais elevadas que podem ser estudados e que enriquecem a análise literária, como o estudo aprofundado das figuras de linguagem, as relações semânticas mais sutis, as formas dos gêneros literários etc. Mas primeiro é necessário cumprir o básico para só depois se aventurar naquilo que é um refinamento e um aprofundamento desses estudos.


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